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Um Olhar Simbólico para o Suicídio

  • Foto do escritor: Larissa Gontijo
    Larissa Gontijo
  • 10 de ago. de 2024
  • 4 min de leitura

Este artigo é fruto de uma sincronicidade. Recentemente, recebi em meu consultório uma paciente que tentou suicídio há poucas semanas. Dias depois, fui convidada para realizar uma palestra sobre suicídio para a liga de saúde mental e psiquiatria de uma universidade de medicina, que deseja abordar o assunto devido a dois suicídios recentes de alunos. Diante disso, me peguei pensando sobre o significado de tal ato e o contexto em que estamos vivendo.


Analisando os números, vemos que os casos de depressão aumentaram quase 20% na última década, transformando-se na maior causa de incapacidade no mundo, de acordo com a OMS. Na contramão da tendência mundial, a taxa de suicídio aumentou 7% no Brasil em seis anos, enquanto o índice mundial caiu 9,8%. A taxa média esconde enormes diferenças no número de casos por sexo, mostrando que os homens morrem mais por causas autoprovocadas: foram 2,8 a cada 100 mil entre as mulheres e 9,7 a cada 100 mil entre os homens em 2016. Entretanto, as mulheres são mais propensas que os homens a tentarem suicídio; porém, na maioria das vezes, não concluem o ato.


Em média, 32 brasileiros se suicidam por dia, gerando mais mortes do que o HIV ou muitos tipos de câncer, por exemplo. Além disso, para cada suicídio, há muitas mais pessoas que tentam o suicídio a cada ano. Contudo, existe o mito de que esse tema não deve ser abordado devido ao "Efeito Werther", que é o aumento do número de suicídios após um caso amplamente divulgado. O que poucas pessoas sabem é que a maior probabilidade de ocorrer o suicídio por imitação é quando há uma identificação com um personagem, uma pessoa pública ou até mesmo um colega de escola. Outro ponto igualmente importante é que a identificação também depende muito de como o caso é retratado na mídia. Se for muito romantizado, trouxer informações simplistas ou insinuar que a pessoa encontrou a paz, pode sim levar a novos casos. Por exemplo, séries de televisão ou filmes que tratam o suicídio de forma glamourosa podem influenciar jovens vulneráveis. Dessa forma, é crucial que o tema seja abordado com responsabilidade na mídia, destacando a complexidade e as consequências do ato, em vez de simplificá-lo ou romantizá-lo.


Dessa forma, é importante ter clareza de que falar sobre o tema, tratando-o com o cuidado necessário, é não só importante, mas necessário para desmitificar certas crenças e levar informação de qualidade à população.


O indivíduo que comete suicídio geralmente busca evitar ou cessar uma dor psíquica muito grande, advinda da sensação de estar sem saída devido a suas problemáticas e ao sofrimento emocional. A tentativa aparece como uma solução de alívio rápido para uma dor que, muitas vezes, é gerada por transtornos mentais, abuso de substâncias, histórico familiar ou mesmo por uma crise circunstancial.


Dentre os transtornos mentais, a depressão é conhecida como uma das principais causas do suicídio. Porém, não existe apenas um tipo de depressão. De acordo com a perspectiva Analítica, falamos de pelo menos três tipos: a reativa ou ambiental, que, como o próprio nome diz, é uma reação perfeitamente normal a uma perda ou um desapontamento, sendo patológica apenas quando perturba profundamente o funcionamento normal ou quando o impacto debilitante se prolonga além do usual; a endógena, que deriva de uma base desconhecida, presumivelmente biológica, e é tipicamente transmitida geneticamente, sendo possível identificar outros membros da linhagem familiar que a apresentam; e a intrapsíquica, que surge a partir de uma colisão necessária entre o falso eu e o eu natural que deseja se expressar. Uma pessoa pode sofrer das três ao mesmo tempo, e uma das tarefas do terapeuta é ajudar a definir qual ou quais estão presentes. A depressão intrapsíquica pode ser comparada a um poço com fundo e, a partir do mergulho profundo, é possível resgatar o sentido da vida e abrir novos caminhos a partir dessa compreensão.


Jung, indo além do viés psicopatológico, procurou olhar o suicídio como uma representação simbólica da psique. A implicação dessa proposta é a passagem de uma perspectiva que tende a negar a morte para outra que desliteraliza o suicídio e o considera um símbolo potente de afirmação da alma. A questão então passa a ser vista sob uma perspectiva simbólica, e a pergunta a ser explorada é: “O que em mim precisa morrer?” ou “Quem em mim deseja morrer?”. Nesse sentido, a terapia deve ser um espaço para se reimaginar a morte em relação aos aspectos sombrios, de maneira que o paciente possa trazer livremente suas fantasias e ideias a respeito desse "assassino" que habita a psique, tentando feri-lo e atacá-lo; ou que, visto de outra perspectiva, talvez esteja fazendo uma convocação para mudanças no modo como a vida está sendo conduzida.


Além do impacto para quem comete o ato, estima-se que de cinco a dez pessoas são severamente afetadas por cada suicídio que ocorre. Como aponta Shneidman, “A morte de uma pessoa não é somente um fim: é também um começo para os sobreviventes.” A partir disso, o psicólogo e suicidólogo americano Edwin Shneidman criou o termo "posvenção", que refere-se a ações, atividades, intervenções, suporte e assistência para aqueles impactados por um suicídio completo, ou seja, os sobreviventes.



No Brasil, o Centro de Valorização da Vida realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone (basta discar 188), email e chat 24 horas por dia, todos os dias. Existem muitas formas de acolher tamanho sofrimento. Caso saiba de alguém vivenciando pensamentos suicidas ou se recuperando da morte de algum ente querido, é fundamental indicar ajuda profissional especializada. É importante estar atento a sinais como isolamento social, mudanças abruptas de comportamento, desesperança, entre outros, que podem indicar que a pessoa está em risco. Vários suicídios ocorrem de forma impulsiva, em momento de crise, com um colapso na capacidade de lidar com os estresses da vida, e podem ser evitados se a pessoa encontrar acompanhamento para refletir sobre tais pensamentos em uma perspectiva simbólica, entendendo o que exatamente quer "morrer" dentro de si e o que precisa "viver" e aflorar. A morte não pode ser tomada apenas como uma negação da vida, pois inaugura novas perspectivas existenciais para o sujeito, que estão além dessa estreita oposição morte-vida.

 

 
 
 

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Psicóloga Larissa Gontijo 

CRP 06 /154558

Tel: 11-98066-3008

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